domingo, 31 de outubro de 2010

Qual o destino?

À exceção da minoria que se enquadra no perfil de fazendeiros brasileiros que possuem riquezas em território estrangeiro, há na história das famílias que vivem na fronteira da Bolívia aspectos singulares de luta pela sobrevivência fora do seu país de origem.

Com muito suor, a maioria das famílias desenvolve em suas áreas a agricultura familiar. Elas cultivam a mandioca, banana, feijão, arroz, milho. Muitas delas também vivem do extrativismo da borracha e da castanha. Além da pecuária não extensiva.

"Expulsos" de seu país por causa do sistema falho de reforma agrária, onde a maior parte da terra é concentrada nas mãos de poucos, esses colonos, alguns com mais de 50 anos na Bolívia, vivem agora o dilema de observar toda essa luta em solo estrangeiro se esvair. O que fazer? Deixar tudo que construíram ao longo de décadas para trás? Confiar agora no seu país de origem, que em outrora lhes negou moradia? Começar de novo? Eis os principais medos dessas famílias, conscientes de que reforma agrária no Brasil é sinônimo de desigualdade e morosidade.

Dessa forma, não querem agora abrir mão de seus longos anos trabalhados com muito suor, por 10 hectares de terras oferecidas pelo governo brasileiro, e que, inicialmente, contemplam apenas 90 das 550 famílias. Por outro lado, também não aceitam serem deslocadas para o interior da Bolívia, longe da área de segurança nacional daquele país. Como disse a colona Aurelina, não querem nem acordo em serem reassentados nos "cafundós do Judas", que implica, certamente, o medo do isolamento rural em país estrangeiro.

Claro que há também a influência de fazendeiros para que as famílias sigam insistindo em permanecer na fronteira. Mas, diante do exposto fica explícito que isso não é fator determinante. Diante de uma situação delicada como essa, de luta pelos direitos humanos, seria ingenuidade pensar que a resistência em sair da fronteira seria, exclusivamente, pela influência dos latifundiários.

Como se sabe, as famílias rejeitaram as propostas de reassentamentos dos governos brasileiros e bolivianos. Se recapitularmos os fatos, não há nada de estranho nisso. A exemplo de um boliviano que obteve cidadania brasileira para continuar com suas áreas rurais no Brasil, os colonos brasileiros agora vão lutar pela cidadania boliviana. No entanto, lembramos que o governo boliviano decidiu cumprir a lei que proíbe estrangeiros de ocuparem a faixa de segurança. Emitir documentos garantindo cidadania boliviana a centenas de brasileiros que moram na faixa de fronteira seria uma vitória ímpar e histórica da diplomacia brasileira. Afinal, a Bolívia quer ou não quer preservar sua soberania nacional?

Para os colonos, possuir dupla cidadania seria a melhor alternativa. Porém, difícil. Contudo, é um caminho. E esse caminho precisa ser sonhado e trilhado até que seja totalmente desbravado. Pressupondo uma resposta negativa, caberá a eles, repensarem as propostas dos governos. Até que seria justo mencionar aqui que caberia também aos governos repensarem suas propostas de reassentamentos, mas, não sabemos até onde vai a vontade política de ambos, diante de dois sistemas falhos em relação à reforma agrária. Enquanto isso, esperamos então, as decisões das autoridades envolvidas no que se refere ao destino dessas famílias.














sábado, 30 de outubro de 2010

Conflito Brasil x Bolívia

Famílias brasileiras que vivem na fronteira da Bolívia recusam propostas de reassentamentos.
Para continuarem na fronteira, sonham agora com a cidadania boliviana.


A situação das famílias brasileiras que vivem na faixa de fronteira da Bolívia parece estar longe de ser resolvida.

Brasil e Bolívia assinaram no ano de 2006, um acordo para realizar o processo de regularização de imigrantes. Desde então, os países vêm negociando a retirada das famílias brasileiras da área de segurança nacional boliviana.

No acordo, o Brasil cedeu dez milhões de dólares a Organização Internacional para Migrações (OIM). Entre as principais funções da OIM, está a de reassentar as famílias que aceitam continuar em território estrangeiro, porém, a 50 quilômetros da faixa fronteiriça.

Enquanto as que não querem essa opção, cabe ao governo brasileiro reassentá-las, por meio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Até o momento, as negociações não obtiveram grandes resultados. Das 550 famílias, apenas seis aceitaram ser reassentadas, sendo três em cada país. Vários motivos emperram as negociações, dentre os quais estão o medo dos produtores em perder suas benfeitorias realizadas ao longo de décadas; interesses de grandes latifundiários brasileiros que possuem terras na Bolívia, pois, como não se enquadram na reforma agrária, ficam sem alternativas e acabam induzindo famílias a outros caminhos, distantes das legislações voltadas a agricultura familiar no Brasil; bem como a lentidão das desapropriações de terras improdutivas para o reassentamento total das famílias.

Brasileiros rejeitam propostas do Incra e OIM

"Se for preciso, vamos derramar sangue", ameaçaram


No dia 18 de outubro, representantes do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Organização Internacional para Migrações (OIM) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Acre reuniram-se em Capixaba para discutir a questão junto aos colonos.

Autoridades brasileiras e bolivianas em reunião com os colonos
Na ocasião, o representante do Incra, Hildebrando Veras, lançou as propostas de reforma agrária aos brasileiros. De acordo com Veras, inicialmente, até que novas terras sejam desapropriadas, das 550 famílias, apenas 90 seriam reassentadas no Projeto Triunfo, que levou aproximadamente 10 anos para desapropriação, localizado a 60 quilômetros do município de Plácido de Castro.

Cada família receberia 10 hectares de terra, uma casa de alvenaria com dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Além disso, o Incra asseguraria o direito a ramais, assistência técnica por dois anos e um recurso de R$ 3.200 em crédito para compra de ferramentas e alimentação.

Veras disponibilizou ainda uma lista com os nomes das 90 famílias que seriam reassentadas na área desapropriada. No entanto, a lista foi ignorada pelos presentes.

Diante das propostas do Instituto, a princípio, parecia que tudo ia correr bem. Mas, esse sentimento foi por água abaixo quando os colonos tiveram ciência da quantidade de hectares que iam adquirir, principalmente por descobrirem o total de famílias que iam ser reassentadas. Enquanto os brasileiros, "donos" de mais de 400 hectares e com influência social e política no Brasil, aproveitaram o momento para incentivar os produtores a aceitarem a proposta do Incra somente se os lotes contemplassem todas as 550 famílias.

No fervor das discussões, em coro, chegaram até a incitar a violência com frases do tipo "se for preciso, vamos derramar sangue".

 “500 hectares na Bolívia não é problema para o Brasil resolver. E sim, problema particular do fazendeiro"

Há também os colonos que somente aceitariam a proposta se as terras fossem localizadas em Capixaba. Dos mais de 100 produtores presentes, apenas três aceitaram ser reassentados no Brasil. O presidente da Associação dos Brasileiros na Bolívia, Francisco de Assis, vulgo Careca, é outro que incentiva às famílias a rejeitarem as terras de Plácido. “Só aceitem terra no Brasil só se for em Capixaba. E se continuarmos na Bolívia que façamos questão da cidadania boliviana para que tenhamos direito de continuar na fronteira. Não é justo ganharmos apenas dez hectares de terra, sendo que tem gente na Bolívia que possui 500”, disse.

Mas, em visita à Capixaba no mês de novembro de 2009, o vice-presidente nacional do Incra, Roberto Kiel, alertou aos brasileiros que “possuir 500 hectares na Bolívia não é problema para o Brasil resolver. E sim, problema particular do fazendeiro”.

Na reunião recente, destacando ainda os brasileiros que têm extensas áreas rurais naquele país, mas que não moram lá, Veras reiterou a informação de Kiel. "Nosso compromisso é com as famílias que vivem na fronteira boliviana e que se enquadram na reforma agrária do nosso país. Vamos oferecer a elas condições de vida no Brasil, depois que saírem da divisa. Serão 10 hectares para cada família com toda infraestrutura", finalizou.

 “Não quero nem acordo com esse negócio de ser reassentada no cafundó do Judas”

As famílias também têm a opção de serem reassentadas na Bolívia, porém, a 50 quilômetros da faixa de fronteira.

Segundo o coordenador do Programa de Reassentamento na Bolívia, por meio da OIM, Miguel Ruiz, três famílias brasileiras já foram reassentadas em território boliviano. "A capacidade para levar as famílias que queiram viver na Bolívia legalmente é de cem por cento. Para nós, ao contrário do Incra que oferece casa de alvenaria, priorizamos água e saneamento. As casas que disponibilizamos são de madeira, possuem 70 metros quadrados, oferecemos assistência técnica e um fundo rotatório, que seria um mecanismo de crédito, dirigido às pessoas que escolherem viver em território boliviano, no sentido de incentivar a produção.

Contudo, a maioria dos brasileiros é descrente dessa possibilidade. "Se até em meu país de origem existe isola-mento rural, imagina então na Bolívia. Não quero nem acordo com esse negócio de ser reassentada no cafundó do Judas", criticou dona Aurelina Rosa (41), habitante da faixa de fronteira da Bolívia há mais de 12 anos.

Aleac vai elaborar propostas reivindicando dupla cidadania

Ao final das negociações, a principal reivindicação tornou-se a luta pela cidadania boliviana, cogitando uma vida de tranquilidade na fronteira. Desse modo, foi solicitado ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Aleac, deputado Walter Prado (PDT), que realizasse um encontro com todas as autoridades envolvidas, inclusive o Governo do Acre, para que pudessem entregar uma proposta de naturalização desses produtores rurais, assim como fez um grande pecuarista da Bolívia, Wilson Barbosa, para que não fosse desapossado de suas propriedades no Brasil. O fazendeiro, segundo os colonos, nasceu na Bolívia e naturalizou-se brasileiro com o objetivo de permanecer com suas extensas áreas de terras no Brasil.

"Uma questão de grande interesse público como essa, que envolve direitos humanos, não podemos deixar que se resolva sozinha. Vamos tentar negociar para que consigamos chegar a uma solução pacífica. O governo brasileiro está colocando uma posição verdadeira, não queremos que haja pânico. Assim como aqui no Brasil vivem milhões de bolivianos que não passam por isso, pois são amparados por lei, queremos que haja por parte do governo boliviano essa consciência também", disse o deputado Walter Prado.

Até o momento, a data para um novo encontro não foi definida. A Comissão de DH da Aleac vai elaborar propostas reivindicando dupla cidadania aos brasileiros. Em seguida, marcará outra reunião. Até que se resolvam esses conflitos, as autoridades garantem que os brasileiros não sofrerão nenhuma repressão, por parte do governo boliviano, para que abandonem o território.